A Segunda Guerra Mundial
A expansão das ideologias totalitárias, nas décadas de 1920 e 1930, teve repercussão no Brasil, através da política populista e nacionalista adotada por Vargas. Com o Estado Novo, 1937, e com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, 1939, houve uma grande preocupação com o possível perigo que as colônias estrangeiras pudessem revelar para a consolidação do Estado Nacional Moderno Brasileiro, na medida em que seguiam tradições culturais diferenciadas das nacionais.
Em 1937, o Presidente Getúlio Vargas dá um golpe de estado e implanta no Brasil um regime inspirado no fascismo italiano. Em 1940, Getúlio acena com a possibilidade de construir uma siderúrgica no Brasil, com o apoio da indústria alemã Krupp. Se esta transação já tinha alguma intenção política dos alemães para seduzir o Brasil em favor da sua política não se conhece, mas pode ter sido sim uma estratégia alemã. Talvez, no mesmo sentido de raciocínio, tenham depois, os Estados Unidos concedido um crédito ao Brasil para financiar a siderúrgica sem a participação alemã. Culminou que dois anos depois, Getúlio declara guerra aos países do Eixo, aproximando-se dos Aliados. Tal cobiça na aliança do Brasil era tão importante e estratégica que, recentemente, no início dos anos 90, veio a público um documento reservado do Exército norte-americano revelando planos de invasão do Brasil pelos Estados Unidos caso Getúlio não aderisse aos aliados.
Embora estivesse sendo comandado pelo regime ditatorial simpático ao modelo fascista (o Estado Novo getulista), o Brasil acabou participando da Guerra junto aos Aliados. A partir de Fevereiro de 1942, submarinos alemães e italianos iniciaram o torpedeamento de embarcações brasileiras no oceano Atlântico em represália, segundo os diários de Goebbels, à adesão do Brasil aos compromissos da Carta do Atlântico. Esta carta previa o alinhamento automático com qualquer nação do continente americano que fosse atacada por uma potência extracontinental. Ora, isto é o que conhecemos, e se conhecemos é porque nos foi divulgado e informado. Sempre paira a duvida quanto a real origem das ofensivas contra os navios mercantes brasileiros.
De fundamental importância para que o governo brasileiro paulatinamente se alinhasse com os Estados Unidos e, consequentemente, com a causa aliada, foram: as tentativas veladas de ingerência nos assuntos internos brasileiros por parte da Alemanha e Itália, especialmente a partir da implantação do Estado Novo; a progressiva impossibilidade, a partir do final de 1940, de manter relações comerciais estáveis e efetivas com esses países devido à pressão naval britânica e, posteriormente, americana; e a chamada política de boa vizinhança praticada pelo então presidente Roosevelt, que, entre outros incentivos econômicos e comerciais, financiou a construção de uma gigantesca siderúrgica, a CSN (Companhia Siderúrgica Nacional).
Devido à pressão popular, após meses de torpedeamento de navios mercantes brasileiros, finalmente o Brasil declarou guerra à Alemanha nazista e à Itália fascista, em agosto de 1942. A Força Expedicionária Brasileira (FEB) teve sua formação inicialmente protelada por um ano após a declaração de guerra. Por fim, seu envio para a frente de batalha foi iniciado somente em julho de 1944, quase 2 anos após a declaração. Foram enviados cerca de 25 000 homens, de um total inicial previsto de 100 000.
Descendentes de Italianos e de Alemães foram recrutados e destinados à Itália engajados no Exercito nacional. Fácil imaginar a dificuldade destes soldados terem de lutar contra seus conterrâneos dentro de suas próprias pátrias.
Na época servia o exercito em Cachoeira do Sul, o franciscano Folicardo Argenta e o agudense Alfredo Losekann. Em Santa Maria, os franciscanos Nelsis Vitor Rech, Clemente Bortolotto e Alfredo Emilio Serafin, alem dos santa-marienses Adelino da Silva, Ari Neri e Bento Schirmer. Partiram de navio do Rio de Janeiro com destino a Nápoles em dezembro de 1944. Depois, foram transferidos para Livorno e Stafona nas proximidades de Pistoia, na província de Florença.
Enquanto isso, nas colônias italianas e alemães, os “estrangeiros” sofreram fortes represálias e perseguições na região central do Rio Grande do Sul. Segundo as Instruções Gerais baixadas pelo chefe da polícia do Estado do Rio Grande do Sul, tenente-coronel Aurélio da Silva Py, aos estrangeiros não era permitido: “Viajar de uma localidade para outra sem licença da polícia (salvo-conduto); Reunirem-se, ainda que em casas particulares e a título de comemoração de caráter privado (...); Discutir ou trocar idéias em lugar público, sobre a situação internacional; Mudarem de residência sem prévia comunicação à Polícia; Viajarem, por via aérea, sem licença especial da Polícia; Obterem licença para andar armado e registrar armas, ficando, nesta data, cassados todos os registros e autorizações concedidas anteriormente para o porte de armas; Obterem licença para negociar armas, munições ou material de explosivos ou que possam ser utilizados na fabricação de explosivos, ficando, igualmente cassadas, nesta data, todas as licenças anteriormente concedidas para esse fim...”.
Acreditavam que os “estrangeiros” poderiam ser uma ameaça à política do Estado-Novo que procurava consolidar o nacionalismo no Brasil. O auge desta perseguição foi no ano de 1942. Jornais na mão do governo, cuja publicação diária de casos concretos, onde pessoas eram identificadas e presas como “quinta colunas”, recriavam no imaginário da população os “inimigos da Pátria”, confirmando aos olhos de todos, assim, todas as suspeitas do governo. Assim a violência se legitimava: «Era preciso acabar com esses inimigos». Esta estigmatizarão os atingia mais profundamente pelo fato de se saberem vítimas acusados de um crime que não existia, deixando-os traumatizados. Tentaram resolver esta dor pelo esquecimento dos fatos ocorridos. Mesmo que não se esqueçam jamais. Como memória afetiva entende-se o cultivo e o reconhecimento das raízes culturais, representadas por símbolos, como retratos, livros, cartas, objetos, cantos, armas (espingardas que tinham trazido da Europa, e que aqui lhes eram muito úteis), lembranças, enfim, da terra de origem. A destruição dos símbolos materiais, e da própria língua tirou algo que era muito caro a quem os possuía. Destruindo os seus símbolos os colonos foram atingidos emocionalmente. Talvez esteja aqui toda a força da violência simbólica.
Foi destruído tudo o que representou campo de cultura. A destruição da língua materna, como parte da integridade cultural era, na verdade a mais cobiçada, pelo governo como também a destruição da memória cultural representada pelos velhos, que aqui personificavam a memória viva oral. Nesta perseguição, eles foram o principal alvo da violência, com abalos emocionais sobre eles próprios e suas famílias. Estas, de modo geral, se sentiam muito mal com aquilo que estava acontecendo a estes pais ou avós, que não sabiam falar português e que, na verdade representavam a autoridade desprestigiada.
Toda esta destruição representou grande ofensa, para aqueles que perderam seus objetos. Isto foi sentido como própria ameaça a sua integridade física, pois destruir objetos queridos é também atingir e destruir os donos deles. Representou, também, a morte da memória afetiva para os filhos da 1° geração, que cresceram sem conhecer suas raízes. Como seres essencialmente emocionais muitos destes espaços interiores foram mortos também.
Um outro momento, muito patético, é o constrangimento a que foram submetidos, na troca de nomes próprios e na insistência que lhes faziam, especialmente no exército, conforme os entrevistados, de que deviam esquecer os antepassados e deixar de falar esta língua atrasada e exótica: a «nação» pede que se esqueçam os antepassados. O dialeto não é língua é algo exótico, atrasado. E preciso abandoná-lo.
No exército os filhos dos colonos tinham oportunidade de aprender o português. No entanto, o exército também incentivou muito o esquecimento dos antepassados. Em todos os depoimentos constatou-se, que havia a vontade de falar e de se comunicar em português. Não só pediam que esquecessem os antepassados, mas se incentivava o aportuguesamento dos nomes.
Os velhos foram os mais atingidos no que se refere à violência que se abateu sobre uma população que não sabia se comunicar em português. Representavam eles, exatamente, a tradição viva de tudo aquilo que era necessário destruir. Na verdade bastava uma palavra, uma «parola». Em tudo sobressai o exagero. Mesmo que ninguém desafiasse, abertamente, a polícia, pois a população estava aterrorizada, pode-se facilmente imaginar que uma língua não se muda por decreto. Muitos continuaram falando italiano, com os cuidados que a situação impunha. E mesmo que fosse por uma única «parola» muitos foram parar na polícia.
Como cidadãos de segunda categoria, assim considerados aos olhos dos governantes, eles tiveram, novamente, a sua cidadania dilacerada e se calaram, introjetaram o medo e a submissão. Desenvolveram, também, processos de defesa mútua, como relata um entrevistado que faz comparação entre as atitudes dos italianos e as dos alemães:
Tinham dificuldade de viajarem para grandes centros onde eram facilmente identificados. Evitavam ao extremo. Este mesmo medo perturbou para sempre os colonos quando de suas futuras passagens por Santa Maria em direção à fronteira.
Isto tudo explica a razão de temer em transpor Santa Maria sempre que era necessário ir para a fronteira. Era temerário dormir na cidade dos agressores de meus antepassados. Nada era dito verbalmente, mas tudo era sentido emocionalmente.
 
