Gênese

 
 

A Colônia Dona Francisca que deu origem ao atual Município de Dona Francisca, tem a sua gênese vinculada a três importantes personagens: Claudio José de Figueiredo, José Gomes Leal e Manoel José Gonçalves Mostardeiro, e, o ano de 1850 como a data mais remota.

Cláudio José de Figueiredo

Foi o primeiro proprietário das áreas correspondentes a Fazenda Santo Antônio, áreas estas que deram origem ao loteamento da colônia. Não foi possível identificar quando e como ele se torna o Senhor destas terras.

De acordo com a escritura de venda destas terras, em 1850, Claudio José de Figueiredo residia na Vila São João de Cachoeira. Em 5.3.1850 esta escritura foi passada por ele para José Gomes Leal, no Cartório de Cachoeira do Sul, conforme consta do Quinto Livro de Notas, folha 101.

José Gomes Leal

Iniciou então a ocupação efetiva de sua propriedade, embora desconhecesse precisamente sua extensão. Sabia que se limitava com as terras de: Miguel Pinto, Francisco Antônio Borges e de Marcos Gonçalves de Oliveira, sendo os limites naturais, ao Sul o Rio Soturno, a Leste o Rio Jacuí e a Norte e a Oeste, a Serra Geral.

Segundo depoimento do franciscano Arcângelo Fantinel, José Gomes Leal era um homem alto, magro, gentil e gostava de um bom vinho e da comida dos italianos. Já o franciscano Ludgero Peserico afirmou que Leal faleceu com aproximadamente 130 anos, muito pobre, num casebre, na localidade conhecida como “Sétima”, próxima de onde se construiu a usina hidroelétrica de Dona Francisca.

Em 6.6.1870, vinte anos após a compra da propriedade, José Gomes Leal encaminhou documentação necessária reivindicando a nomeação de um agrimensor para demarcar com precisão suas terras. A medição se iniciou um mês após, em 6.7.1870, pela confluência dos Rios Jacuí e Soturno, onde foi assentado o “Marco Pião” como referencia base. Marco Pião é o nome dado para a primeira estaca demarcatória, a partir da qual  as demais são fixadas. A estaca era de angico por ser a madeira de maior durabilidade conhecida na região e falquejada na medida de 170 cm x 20 cm x 18 cm. Ao todo foram cravadas 7 estacas ao longo da margem direita do Rio Jacuí e na Serra Geral, conforme estabelecem os Autos de Medição de José Gomes Leal, N. 440, Lei N. 601 de 18.09.1850, constantes do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. A sentença favorável foi deferida em 27.04.1872, confirmando a área de 29.785.245 metros quadrados, ou 2.978,52 hectares.

O titulo de propriedade foi registrado em 11.05.1871, em nome de José Gomes Leal, no livro N. 1 de Legitimações em poder da Secretaria de Agricultura do Rio Grande do Sul. Este primeiro título registrado permite concluir que o primeiro proprietário, Claudio José de Figueiredo nunca tomou posse efetiva de suas terras com cultivos, habitações ou exploração de qualquer natureza.

Interessa observar o fato de Claudio José de Figueiredo ter vendido suas terras, no exato ano de 1850, mesmo ano em que foi aprovada a Lei de Terras em que só se podia ter acesso às terras através da compra das mesmas, e não apenas apossando-se delas. Ora, fica evidente que Claudio José de Figueiredo havia se apropriado destas terras e, em não mais podendo escritura-las, buscou desfazer-se imediatamente. Como o Sr. Leal pagou por elas, pode registra-las.

De acordo com a planta da propriedade, a residência de José Gomes Leal localizava-se em frente ao atual cemitério de Dona Francisca, hoje propriedade da franciscana família Gaspar Cassol, onde ainda são vistos vestígios do cemitério particular da família Leal. Existia também na planta, outras três residências vizinhas, evidenciando uma nucleação para uma futura povoação.

A propriedade de José Gomes Leal custou-lhe a quantia de 100$000 réis e foi denominada Fazenda Santo Antônio. Comunicava-se com as demais colônias vizinhas através de estradas e através do Rio Jacuí por balsas.

O Sr. Leal além de cultivar parte de sua propriedade, possuía um “Varejão”, com o qual abastecia os colonos alemães do lado direito do Jacuí, sempre que por ali passavam em direção de Santa Maria, também os colonos italianos procedentes de Silveira Martins com destino a Geringonça, depois Novo Treviso, bem como os moradores locais. Negociava gêneros de primeira necessidade como tecidos, sal, farinha, açúcar e materiais agrícolas. Estas mercadorias eram adquiridas em Porto Alegre, no mercado atacadista da família Mostardeiro e transportadas até o porto da fazenda no Rio Jacuí, através das balsas da Companhia de Navegação Becker, que tinha frequência quinzenal.

As balsas da Companhia Becker retornavam para a capital carregados de madeira e de produtos coloniais, excedentes de cultivo dos colonos alemães da vizinha Colônia Santo Ângelo, e da própria fazenda. Na capital as compras eram feitas à prazo e à distancia, e a venda para os colonos nem sempre cobriam as despesas. Com isso o Sr. Leal construiu uma enorme divida com Manoel Jose Goncalves. Com o passar dos anos a divida foi crescendo e elevou-se a quantia de 22.000$000 réis. Como não possuía moeda corrente para liquida-la, ofereceu em 1880, a sua fazenda como pagamento.

Cabe ressaltar o tamanho da divida do Sr. Leal (22.000$000) se comparado com o valor original da compra da mesma terra (100$000). Nada se encontrou que mencionasse a esposa e filhos de José Gomes Leal.

Manoel Jose Goncalves duvidando do valor da propriedade enviou um de seus filhos, Manoel José Gonçalves Mostardeiro até a Fazenda Santo Antônio com o objetivo de avaliar e conferir se a propriedade cobria o valor da divida. Entusiasmado com a riqueza em madeira de lei e da possibilidade de exploração, estimulou seu pai para recebe-la como pagamento.

A Família Goncalves Mostardeiro

Começa no Brasil com o patriarca Francisco Jose Goncalves nascido na Ilha Santa Maria do Arquipélago do Açores pertencente a Portugal. Fez parte da corrente de açorianos que colonizou o Rio Grande e que fundou a capital Porto Alegre. Depois de chegar a cidade de Rio Grande, estabeleceu-se em Mostardas, tendo negócios e grande movimentação pela orla litorânea do estado. Era casado com Joana Maria do Sacramento, nascida na Ilha de São Jorge nos mesmos Açores portugueses.

Tiveram pelo menos os filhos Manoel Jose Goncalves, Joao Jose Goncalves, Antônio Jose Goncalves e Custodio Jose Goncalves. Manoel Jose Goncalves foi fazendeiro, tropeiro, plantador e criador de gado em Mostardas. Nada mais se sabe de seus irmãos. Casou-se com Maria Inácia de Jesus, filha de Antônio dos Santos Cunha e de Maria Florinda do Sacramento.

Tiveram pelo menos os filhos:

            - Antônio Jose Goncalves Mostardeiro;

            - Leonardo Maria Goncalves;

            - Manoel Jose Goncalves Mostardeiro;

            - Ana Maria Goncalves;

            - Maria Antônia Goncalves; e

            - Fructuoso Jose Goncalves Mostardeiro.

Importa observar as razoes da entrada do sobrenome Mostardeiro nos sobrenomes dos filhos homem de Manoel Jose Goncalves. Desde já percebe-se que a família Mostardeiro teve inicio no Brasil, a partir da família Goncalves de origem açoriana. Importa saber que na tradição portuguesa era e ainda é permitido acrescentar, substituir ou suprimir sobrenomes na descendência. Diferentemente dos italianos que mantem seus sobrenomes originais no registro dos filhos, adotando, de forma não oficial, um apelido adicional para distinguir seus ramos familiares, os portugueses adotavam oficialmente novos sobrenomes adicionais aos dos pais, e/ou acresciam novos sobrenomes. Esta foi o caso também da esposa do Manoel Jose Goncalves, a Sra. Maria Inácia de Jesus que simplesmente teve ambos sobrenomes suprimidos e assumido o novo sobrenome “de Jesus”. Adicionalmente, na tradição portuguesa e espanhola, o sobrenome da mãe sempre aparece depois do sobrenome do pai, inversamente como era com os italianos e de como e hoje no Brasil.

A adoção do sobrenome Mostardeiro se deve a localidade de Mostardas onde viviam. A intenção era colocar um sobrenome adicional no final do nome oficial, como na tradição portuguesa, ficando o primeiro sendo o sobrenome do pai (Goncalves). Entretanto, com a inversão na sequencia de uso dos sobrenomes no Brasil, o sobrenome Mostardeiro ganhou maior relevância do que o sobrenome Goncalves, por ser o ultimo.

Ainda não se sabe o ano exato em que a família se transfere para Porto Alegre, tampouco se abandonou a propriedade de Mostardas. De qualquer forma, na capital prosperaram na atividade comercial. Irmãos de Manoel Jose Goncalves Mostardeiro tiveram destaque na sociedade da cidade e deram nome para a Rua Mostardeiro situada no bairro Rio Branco.